Crise econômica, crise política, crise do meio ambiente…

…crise moral, crise espiritual, crise de consciência, crise. Simplesmente crise.

Aqui na Espanha não ouvimos falar de outra coisa. Os países da zona do euro estão em crise. Mas, a final de contas, que crise é essa? Será só econômica? Que nada. Por trás disso tem tantas outras coisas que não caberiam jamais num «post» do WordPress.

Quatro anos atrás, quando cheguei a Madri, havia muitos imigrantes de outros países, principalmente da América Latina e do norte da África (Marrocos, sobretudo), que buscavam um mundo de oportunidades no velho continente. Quase um sonho americano neste país ibérico, taxado de primeiro mundo e cheio de promessas. Também vieram os novos cidadãos da União Européia, como os romenos e búlgaros, que, atraídos pelas oportunidades laborais, deixavam atrás suas famílias, sua cultura, seu idioma e vinham à Espanha em busca de melhores salários.

Em 2007, as coisas ainda estavam bem (ou isso parecia). O setor das construções trabalhava a todo vapor e garantia o sustento de inúmeras famílias, tanto espanholas quanto estrangeiras. Porém, com tão escassas opções de negócios, quando a construção começou a desmoronar, muitos trabalhadores perderam seus empregos (às vezes mais de um, como aí no Brasil, para dar conta do recado em casa).  E com o emprego se foram também os salários e a esperança.

No começo da crise da construção e, consequentemente, da crise imobiliária, parecia que tudo seria um mal passageiro. O governo garantia o pagamento de uma pequena ajuda a todos aqueles que estivessem desempregados até o momento em que conseguissem um novo posto laboral. O problema é que o emprego não chegou. A ajuda foi diminuindo até desaparecer. Embora José Luis Rodríguez Zapatero, presidente do governo, dissesse que não havia crise, não teve mais jeito de enganar à população e acabou tendo que assumir que estávamos numa situação bastante delicada.

De que adianta mentir aos cidadãos quando a realidade é mais que evidente? Depois dos resgates da Irlanda, de Portugal e da Grécia, e, claro, depois de 5 milhões de desempregados (vale à pena destacar que a Espanha tem 47 milhões de habitantes), fica difícil não pensar que a próxima queda seja protagonizada pela Espanha.

Está certo que a Itália vai primeiro nessa caminhada à beira do precipício, com Berlusconi puxando a fila para a queda ao abismo sem fim da crise política e econômica. Zapatero, depois de receber ameaças e pressões psicológicas de todos os lados, teve que convocar eleições antecipadas, que se celebrarão no próximo domingo, 20 de novembro de 2011.  De uma maneira incrível e nunca antes vista, todos os candidatos possuem uma fórmula milagrosa para salvar a Espanha num piscar de olhos. E por quê não evitaram que chegasse no ponto que chegou, deixando milhões de pessoas sem nenhuma expectativa de futuro?

Sem trabalho, isso já sabemos, mas também sem casa, porque cada dia que passa, 300 famílias que já não podem continuar pagando as parcelas da residência comprada com tanto esforço, são expulsas de suas casas por ordem judicial. Já não se construem vivendas como antes, porque a situação atual já deixou vazias mais de 32 mil moradas somente este ano.

Uma coisa está clara: do jeito que está, não dá pra continuar. Muita gente me pergunta o que é que eu estou fazendo aqui na Espanha em crise enquanto o Brasil cresce de maneira incontrolável, disposto inclusive a ajudar economicamente a União Européia. «Gosto de desafios», é o que respondo. Mas a verdade é que a situação é triste e complicada. A sensação de impotência diante de uma crise, antes de tudo, moral é algo asfixiante. Se as coisas chegaram onde chegaram, foi por conta da ambição desmedida dos grandes empresários e dos políticos (porque a corrupção brasileira tem ótimos professores europeus).

Agradeço a todos os céus a renovação da minha bolsa de doutorado por dois anos mais, firmada no começo deste mês. Me esperam dois anos de muito trabalho. Exatamente o que os espanhóis precisam: trabalho. Grande parte dos imigrantes tiveram que voltar aos seus países de origem e o cerco está cada vez mais estreito aos estrangeiros que querem vir à Espanha para estudar ou trabalhar. Reformularam a lei de «extranjería», dirigida aos imigrantes, para evitar que pessoas de outras nacionalidades (romenos inclusive) entrem no país sem o devido dinheiro garantido para sua estada e sobrevivência. Muito dinheiro, diga-se de passagem.

Ah, uma coisa mais: as empresas – todas elas, públicas e particulares -, em caso de contratação ou quase contratação de um estrangeiro, deve justificar legalmente o porquê da admissão de um estrangeiro em vez de um espanhol. O Ministério do Trabalho é quem decide se esse estrangeiro pode ou não ser contratado.

Pode ser coisa da minha fértil imaginação, mas confesso que tenho um medo crescente das manifestações neonazis nos países da União Européia. Estão aumentando, claro, porque acreditam que os imigrantes, pecadores pelos seus próprios sonhos, são os culpados da falta de oportunidade de trabalho nos países da zona do euro. Lembram da filosofia hitleriana, que dizia que cada um no seu canto e melhor que não tenhamos contato? A Alemanha pré-Hitler vivia uma crise econômica brutal e as idéias daquele louco, porém extremamente inteligente, governante conseguiu adeptos como gotas de chuva caindo continuamente do céu.

E que este mesmo céu nos proteja.

Recomendações literárias

Tem dia que penso que minha vida se resume em livros e mais livros! Mas isso é bom. Aliás, não tem nada melhor que ler outra coisa que não tenha nada que ver com as pesquisas de doutorado quando estamos fazendo a tese. Ajuda a refrescar a mente e a estabelecer um estilo próprio para escrever a tese doutoral (um livro imenso, sem muito encanto, que parece que não termina nunca).

Em agosto deste ano (2011) estive no Brasil para rever os amigos e matar a saudade da família. Encontrei com uma prima, amante da leitura, que me recomendou um livro do autor Carlos Ruiz Zafón, titulado «A sombra do vento». Como não deu tempo de comprá-lo no Brasil, comentei com a minha sogra sobre a recomendação literária que havia recebido e ela me disse que tinha o livro. «É maravilhoso» – disse. «Já li e reli muitas vezes». Maravilhoso é pouco. Recomendo, recomendo e recomendo. Este é o primeiro de uma saga de três novelas meio históricas, meio de ficção, que acontecem na cidade de Barcelona, nos primeiros anos do século XX. Uma narrativa cheia de suspense, intrigas familiares, decepções amorosas e uma autêntica veneração pelos livros. O autor consegue fisgar o leitor desde a primeira página e não somos capazes de escapar de suas garras literárias até o último momento, a última página, o último suspiro da história impressionante dos seus personagens. Embora seja o primeiro de uma série, não é bem uma série, como Millenium, de Stieg Larsson. São histórias independentes e que se entendem perfeitamente se são lidas por separado. O segundo, que creio que ainda não está tradizido ao português, se chama «El juego del ángel» e o terceiro saiu agora em novembro, «El prisionero del cielo». Se são tão bons como o primeiro, num futuro próximo recomendarei sua leitura, assim como fiz também com aquela história que continua sendo a minha preferida, «A casa dos espíritos», de Isabel Allende.

Independentemente de crenças e afinidades políticas, recomendo também a magnífica história relatada por ele mesmo, o ex-presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, «JK Caminhos do Brasil». Um retrato do nordeste contemporâneo à criação de Brasília e do esforço que significou a mudança da capital brasileira do Rio de Janeiro ao planalto central. Incrível relato da realidade da seca, das mortes precoces dos brasileiros mais humildes e cheios de fé, donos de uma religiosidade que não lhes abandona nem mesmo quando já não podem sustentar o peso do corpo em cima dos próprios pés. Emocionante e extremamente realista, a narrativa escrita em primeira pessoa estimula inevitavelmente a reflexão e um enorme sentimento de compaixão pelos candangos, que levantaram com a força de suas mãos calejadas a cidade que atualmente acumula corrupção, ilusões e esperança. Juscelino nos ensina a valorizar o nosso país e a nossa gente, acreditando sempre que podemos ser (ou que realmente somos) o gigante da América Latina.

Não existe melhor remédio, entretenimiento e arma pacífica que a leitura. Nada melhor, claro, que ler algo que nos motiva, que provoque curiosidade e que ensine boas lições para a vida.

Aceito sugestões!